Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã.
Levarei amanhã a pensar em depois
de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não.
Não, hoje nada; hoje não
posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da
minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço
de mundos para apanhar um elétrico.
Esta espécie de alma.
Só depois de
amanhã.
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no
dia seguinte.
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não,
hoje não traço planos.
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à
secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de
amanhã.
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente,
de dentro.
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só
depois de amanhã.
Quando era criança o circo de Domingo divertia-se toda a
semana.
Hoje só me diverte o circo de Domingo de toda a semana da minha
infância.
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida
triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e
prático
Serão convocadas por um edital.
Mas por um edital de
amanhã.
Hoje quero dormir, redigirei amanhã.
Por hoje, qual é o espetáculo
que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que
depois de amanhã é o que está bem o espetáculo.
Antes, não.
Depois de
amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanha serei
finalmente o que hoje não posso nunca
Só depois de amanhã.
Tenho sono como
o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou
depois de amanhã.
Sim, talvez só depois de amanhã..
O porvir.
Sim, o
porvir..
(Fernando Pessoa)
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